1ª
leitura Dn 7,13-14
A festa de Cristo Rei do universo nos
apresenta este texto do profeta. No antigo testamento o rei é o salvador. Sua
missão é a defesa das viúvas, dos órfãos e dos estrangeiros, as pessoas mais vulneráveis
a exploração dos prepotentes, dos poderosos e dominadores.
O profeta relata a visão “eis que, entre as nuvens do céu, vinha um
como filho do homem”. O céu é onde Deus mora e as nuvens são o sinal da
presença do Espírito. Neste contexto, aparece esta figura do “como filho do homem”, de um sujeito que
tem características de homem. O homem
não é estranho no que diz respeito a Deus mas, pelo contrário, tem a ver com
ele.
A importância desta figura é que Jesus
se atribui o título de “filho do homem”, pois, nunca se apresenta como Messias
ou Filho de Deus. Contudo, este título permite perceber que tem familiaridade
com Deus e com o homem, como se por uma mão pegasse a de Deus e pela outra a do
homem.
Assim, “como filho do homem, aproximando-se do Ancião de muitos dias, e foi
conduzido a sua presença”. É como se fosse conduzido a presença de um
grande rei com muita competência, prestígio e autoridade.
A
ele é concedido participar da vida mesma de Deus, do seu poder e autoridade,
como se fosse herdeiro “Foram-lhe dados
poder, glória e realeza”. O filho do homem e o Ancião estreitam um laço
sólido e indissolúvel, em perfeita e total união. Assim que os dois se
relacionam permanentemente, mesmo cada um mantendo sua especificidade.
A entrega do poder, glória e realeza faz
com que “todos os povos, nações e línguas
o sirvam”, pois, reconhecem a autenticidade de sua condição divina. Ao
mesmo tempo, se estabelece que“ seu poder
é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se
dissolverá”.
Cabe especificar que “filho do homem” não se refere só a uma pessoa individual, mas “ao povo dos santos” (Dn 7,27), pois, na
linguagem da bíblia nem sempre é fácil distinguir entre o chefe do reino e a
coletividade. O mesmo texto especifica como “o
povo dos santos” recebe o poder depois de ter passado através da
perseguição (Dn7,25).
Notável que o poder e a glória são para
implantar um reino permanente , que não se dissolverá. Sendo que todos os
poderes e reinos humanos surgem, chegam ao seu ponto alto e depois desaparecem,
o que é apresentado deve ter características bem diferentes, seja para quem
exerce o poder, o rei, seja para aqueles que entram na vivência do reino.
Haverá uma maneira de exercer o poder
que desestabelecerá os critérios humanos e se colocará como o contrário do que
é entendido e exercitado como tal. Mas isso não será aceito pacificamente, pelo
contrário, motivará rejeição e perseguição extrema, como acontecerá com a
pessoa de Jesus.
Assim Jesus, Filho do Homem, depois de
ter passado pela paixão, se apresentará nas nuvens do céu e será investido de
todo poder. Não o poder impositivo, de quem domina e, goste ou não, impondo sua
autoridade, mas o poder da misericórdia e do amor desinteressado e gratuito que
regenera os destinatários e o mesmo que o exerce.
Cabe especificar que o mesmo destino é
reservado ao povo dos santos, isto é, aos cristãos. Pois, o amor nunca se
dissolverá e nem será tirado. É o pano de fundo da segunda leitura.
2da
leitura Ap 1,5-8
“A
Jesus (...)a glória e o poder,em eternidade. Amém” O
Filho do Homem é glorificado para sempre, por toda a eternidade. Três aspectos
configuram a glória de Deus nele. Pois, a glória é a manifestação da santidade
de Deus na pessoa, no ensinamento e, sobretudo, nas atitudes e nas obras de
Jesus.
A
santidade de Deus é amor. Manifesta-se em “Jesus,
que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e que fez de
nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai”. A grandeza e intensidade do
amor o levou não só a entregar sua vida para a libertação e resgate dos mesmos
que o estavam crucificando – e com eles a humanidade de todos os tempos e
lugares – mas faz, dos que acolherem o dom gratuito do resgate, um reino.
Em virtude desse amor doado,
transformador e regenerador dos destinatários, estes últimos são constituídos
como reino, ou seja, no âmbito da comunidade, que reconhecem no ensino e no
estilo de vida de Jesus o fundamento da nova ordem social na prática do direito
e da justiça, assim, alcançarão o dom da paz, da harmonia com todos e com tudo.
Nisso se manifesta que o Senhor Deus reina sobre eles.
Assim, cada integrante do reino é
capacitado para o ofício sacerdotal “sacerdotes
para seu Deus e Pai”. Ele consiste em oferecer si mesmo - tudo o que ele é
e faz - para a edificação e consolidação do reino, na luta tenaz e determinada
contra toda adversidade. Com certeza, como foi para Jesus, encontrará rejeição
e perseguição talvez ao extremo, até mesmo a morte.
A santidade de Deus se manifesta em “Jesus Cristo, testemunha fiel, o primeiro a
ressuscitar dentre os mortos”. Jesus, por testemunhar fielmente o amor de
Deus, por ter amado como Deus ama, é ressuscitado. A glória de Deus se
manifesta nele como triunfo da vida sobre o mal e a morte. Pois o mesmo amor
que sustenta e motiva a entrega é o que ressuscita para não mais morrer nem
compactuar com o pecado.
Notável é o aspecto do ressuscitar “dentre” os mortos. Pois cabe a
pergunta: Se Jesus ressuscitou e venceu a morte, como é que continuamos
morrendo sem ressuscitar? O autor responde: certo, continuamos morrendo, mas em
virtude da entrega no amor se ressuscita em Cristo e com ele se participa da
vida plena, mesmo que os homens continuem morrendo.
Após a morte somos acolhidos em Cristo, ou
melhor, se manifesta uma nova face do que traz consigo ter acolhido a Cristo
nesta vida e feito dela uma imitação dele, seguindo o seu caminho e a sua
filosofia, sintetizada na famosa expressão de nos amar uns aos outros como ele
nos amou.
Esta verdade - eis o terceiro aspecto da
santidade de Deus – se manifestará plenamente quando “Olhai! Ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão (...) todas as
tribos da terra baterão no peito por causa dele”.
Tendo a humanidade, a história e a
criação chegados ao ponto final, a santidade e a glória Deus se auto revelam na
plenitude do que até então ficou encoberto no mistério. Por outro lado é certo
que, este último, é ativo e eficaz
naqueles que se dispõem a acolhê-lo nesta vida.
Em virtude desta dinâmica no amor, por
amor e com amor, diz o Senhor Deus “Eu
sou o Alfa e o Ômega (...)aquele que é, que era e que vem, o Todo poderoso”. Assim,
o Deus todo poderoso manifesta o seu poder não tanto nos milagres ou nos gestos
espetaculares, quanto no amor pelo qual o maior pecador do mundo pode encontrar
nele acolhimento, redenção e condições para deixar de uma vez para sempre o
caminho e a filosofia errada para assumir a certa, imitando Jesus e seguindo o
seu caminho.
A realeza dele está ligada a isso e
conforma o que Jesus entende por verdade, como mostra o evangelho.
Evangelho
Jo 18, 33b-37
O contexto é o da paixão. Jesus já foi
entregue e está na presença de Pilatos, chamado para selar a condenação
definitiva. O que interessava aos romanos não eram questões de religião, de fé
ou de cultura de um povo. Para ele duas coisas eram importantes: pagar os
impostos e submissão. Assim, que toda manifestação ou intento de rebelião, mais
ainda, se alguém se atribuía o título de rei, era imediatamente reprimido com a
crucificação.
Daí a pergunta de Pilatos “Tu és o rei dos judeus?”. Jesus “tira a
língua” de Pilatos para que se manifeste realmente como se chegou a isso “O teu povo e os sumos sacerdotes te
entregaram a mim”, evidentemente com a motivação de que se auto proclamava
messias, rei dos judeus. Pilatos quer saber se as atitudes de Jesus são as que
se atribuem ao rei : “Que fizeste?”
.
Jesus respondeu: “O meu reino não é deste mundo (...) meu reino não é daqui”, pois é
realidade bem diferente daquela que Pilatos está pensando e busca conferir a
consistência perante a acusação que fizeram contra Jesus.
E Jesus argumenta “Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu
não fosse entregue aos judeus”, como se quisesse tirar de Pilatos toda
dúvida com respeito a uma força militar que pudesse confrontar com o poder
romano. Nada disso.
Jesus nem afirma nem nega, só coloca sua
realeza em “outro mundo”, não dentro das categorias e expectativas atuais. Isso
é percebido com clareza por parte de Pilatos, e, portanto, volta perguntar “Então tu és rei?”. Coloca Jesus na
condição de se manifestar com clareza,
sem sombras de dúvidas.
Então, Jesus respondeu “Tu o dizes: eu sou rei”. A pergunta de
Pilatos não é inocente, como a de quem não sabe. Ele percebeu que Jesus é rei,
mas não consegue definir com clareza e em que sentido, onde fica o reino dele e que consequência
pode ter para o império romano esta realeza.
Portanto, Pilatos ao mesmo tempo que
afirma, pergunta. E Jesus coerentemente responde “Tu o dizes”, ao mesmo tempo que confirma “ eu sou rei”. De imediato argumenta em que sentido “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar
testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”.
Resposta muito hábil, ao mesmo tempo
afirma ser rei e contorna o entendimento de Pilatos que o teria levado a
condenação certa. Não faz isso por habilidade política, como quem está jogando
com palavras, afim de não ficar preso em entendimentos que o prejudicariam, mas
para afirmar a consistência e autenticidade do próprio ser e da missão que está
desenvolvendo.
Assim, Jesus liga sua realidade de rei
não ao poder de domínio sobre um específico território e a força militar, mas a
verdade “Eu nasci e vim ao mundo para
isto: para dar testemunho da verdade”. É um vínculo radical que conforma a
profundidade do ser dele, com outras palavras, é constitutivo da sua pessoa.
Portanto, a sua missão não pode ser
outra daquela de “dar testemunho da
verdade”. Com isso está afirmando indiretamente que ele mesmo é a verdade.
Portanto, se atreve a desafiar Pilatos colocando “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”.
Pilatos contornará o convite de Jesus
com a famosa resposta “O que è a
verdade?”. Não era o contexto e muito menos o momento de conversas
filosóficas. Por outro lado, parece que a resposta seja de atribuir a
arrogância de Pilatos forte do seu poder para com Jesus na condição na qual se
encontrava...
Contudo, evidentemente, a afirmação
ultrapassa o momento específico e circunstancial para ser uma interpelação a
todo ser humano apaixonado e que busca a verdade e, nela, respostas, como
acontece em toda pessoa humana.
Assim ser “da verdade” é atender a um estilo de vida individual, a uma
filosofia da existência coletiva e social, a critérios de discernimento entre o
certo e o errado, a dedicação pela causa da justiça e do direito etc., que
encontram em Jesus o modelo e no Espírito Santo a inspiração e a força motriz.
Portanto, a verdade se faz no dia a dia,
nas diversas circunstâncias, com criatividade, coragem e ousadia. Talvez por
isso, Jesus afirmou as famosas palavras “Eu
sou o caminho” e cabe bem uma vírgula porque sou “verdade e vida”. Seguir a verdade, a Cristo, não é repetição, é
criatividade no amor.
Queridos
amigos, com este domingo termina o ano litúrgico “b”. Com ele também, o
comentário às leituras, sendo que os anos “c” e “a” foram publicados no blog, nos anos 2010 e 2011.
Com a saída
da paróquia de Santa Terezinha, fiz o propósito de acompanhar este caminho que
tinha iniciado com a publicação dos CD’s, lembram ? Pois bem, este caminho
chegou ao seu ponto final.
Agradeço a
todos os que colaboraram com as suas reflexões e em especial Paula e Rodrigo,
da comunidade de Nossa Senhora do Carmo, pela paciente e competente revisão dos
textos antes da publicação.
Talvez,
descubramos, se Deus quiser, uma nova forma de continuarmos nossa comunicação.
Um abraço a
todos, com a benção de Deus. Pe. J.
Luis