segunda-feira, 19 de novembro de 2012

FESTA DE CRISTO REI -B- (25-11- 12)


1ª leitura Dn 7,13-14

A festa de Cristo Rei do universo nos apresenta este texto do profeta. No antigo testamento o rei é o salvador. Sua missão é a defesa das viúvas, dos órfãos e dos estrangeiros, as pessoas mais vulneráveis a exploração dos prepotentes, dos poderosos e dominadores.

O profeta relata a visão “eis que, entre as nuvens do céu, vinha um como filho do homem”. O céu é onde Deus mora e as nuvens são o sinal da presença do Espírito. Neste contexto, aparece esta figura  do  “como filho do homem”, de um sujeito que tem características  de homem. O homem não é estranho no que diz respeito a Deus mas, pelo contrário, tem a ver com ele.

A importância desta figura é que Jesus se atribui o título de “filho do homem”, pois, nunca se apresenta como Messias ou Filho de Deus. Contudo, este título permite perceber que tem familiaridade com Deus e com o homem, como se por uma mão pegasse a de Deus e pela outra a do homem.

Assim, “como filho do homem, aproximando-se do Ancião de muitos dias, e foi conduzido a sua presença”. É como se fosse conduzido a presença de um grande rei com muita competência, prestígio e autoridade.

 A ele é concedido participar da vida mesma de Deus, do seu poder e autoridade, como se fosse herdeiro “Foram-lhe dados poder, glória e realeza”. O filho do homem e o Ancião estreitam um laço sólido e indissolúvel, em perfeita e total união. Assim que os dois se relacionam permanentemente, mesmo cada um mantendo sua especificidade.

A entrega do poder, glória e realeza faz com que “todos os povos, nações e línguas o sirvam”, pois, reconhecem a autenticidade de sua condição divina. Ao mesmo tempo, se estabelece que“ seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá”.
 Cabe especificar que “filho do homem” não se refere só a uma pessoa individual, mas “ao povo dos santos” (Dn 7,27), pois, na linguagem da bíblia nem sempre é fácil distinguir entre o chefe do reino e a coletividade. O mesmo texto especifica como “o povo dos santos” recebe o poder depois de ter passado através da perseguição (Dn7,25).

Notável que o poder e a glória são para implantar um reino permanente , que não se dissolverá. Sendo que todos os poderes e reinos humanos surgem, chegam ao seu ponto alto e depois desaparecem, o que é apresentado deve ter características bem diferentes, seja para quem exerce o poder, o rei, seja para aqueles que entram na vivência do reino.

Haverá uma maneira de exercer o poder que desestabelecerá os critérios humanos e se colocará como o contrário do que é entendido e exercitado como tal. Mas isso não será aceito pacificamente, pelo contrário, motivará rejeição e perseguição extrema, como acontecerá com a pessoa de Jesus.
Assim Jesus, Filho do Homem, depois de ter passado pela paixão, se apresentará nas nuvens do céu e será investido de todo poder. Não o poder impositivo, de quem domina e, goste ou não, impondo sua autoridade, mas o poder da misericórdia e do amor desinteressado e gratuito que regenera os destinatários e o mesmo que o exerce.

Cabe especificar que o mesmo destino é reservado ao povo dos santos, isto é, aos cristãos. Pois, o amor nunca se dissolverá e nem será tirado. É o pano de fundo da segunda leitura.

2da leitura Ap 1,5-8

“A Jesus (...)a glória e o poder,em eternidade. Amém” O Filho do Homem é glorificado para sempre, por toda a eternidade. Três aspectos configuram a glória de Deus nele. Pois, a glória é a manifestação da santidade de Deus na pessoa, no ensinamento e, sobretudo, nas atitudes e nas obras de Jesus.

 A santidade de Deus é amor. Manifesta-se em “Jesus, que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e que fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai”. A grandeza e intensidade do amor o levou não só a entregar sua vida para a libertação e resgate dos mesmos que o estavam crucificando – e com eles a humanidade de todos os tempos e lugares – mas faz, dos que acolherem o dom gratuito do resgate, um reino.

Em virtude desse amor doado, transformador e regenerador dos destinatários, estes últimos são constituídos como reino, ou seja, no âmbito da comunidade, que reconhecem no ensino e no estilo de vida de Jesus o fundamento da nova ordem social na prática do direito e da justiça, assim, alcançarão o dom da paz, da harmonia com todos e com tudo. Nisso se manifesta que o Senhor Deus reina sobre eles.

Assim, cada integrante do reino é capacitado para o ofício sacerdotal “sacerdotes para seu Deus e Pai”. Ele consiste em oferecer si mesmo - tudo o que ele é e faz - para a edificação e consolidação do reino, na luta tenaz e determinada contra toda adversidade. Com certeza, como foi para Jesus, encontrará rejeição e perseguição talvez ao extremo, até mesmo a morte.

A santidade de Deus se manifesta em “Jesus Cristo, testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos”. Jesus, por testemunhar fielmente o amor de Deus, por ter amado como Deus ama, é ressuscitado. A glória de Deus se manifesta nele como triunfo da vida sobre o mal e a morte. Pois o mesmo amor que sustenta e motiva a entrega é o que ressuscita para não mais morrer nem compactuar com o pecado.

Notável é o aspecto do ressuscitar “dentre” os mortos. Pois cabe a pergunta: Se Jesus ressuscitou e venceu a morte, como é que continuamos morrendo sem ressuscitar? O autor responde: certo, continuamos morrendo, mas em virtude da entrega no amor se ressuscita em Cristo e com ele se participa da vida plena, mesmo que os homens continuem morrendo.

 Após a morte somos acolhidos em Cristo, ou melhor, se manifesta uma nova face do que traz consigo ter acolhido a Cristo nesta vida e feito dela uma imitação dele, seguindo o seu caminho e a sua filosofia, sintetizada na famosa expressão de nos amar uns aos outros como ele nos amou.
Esta verdade - eis o terceiro aspecto da santidade de Deus – se manifestará plenamente quando “Olhai! Ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão (...) todas as tribos da terra baterão no peito por causa dele”.

Tendo a humanidade, a história e a criação chegados ao ponto final, a santidade e a glória Deus se auto revelam na plenitude do que até então ficou encoberto no mistério. Por outro lado é certo que, este último,  é ativo e eficaz naqueles que se dispõem a acolhê-lo nesta vida.

Em virtude desta dinâmica no amor, por amor e com amor, diz o Senhor Deus “Eu sou o Alfa e o Ômega (...)aquele que é, que era e que vem, o Todo poderoso”. Assim, o Deus todo poderoso manifesta o seu poder não tanto nos milagres ou nos gestos espetaculares, quanto no amor pelo qual o maior pecador do mundo pode encontrar nele acolhimento, redenção e condições para deixar de uma vez para sempre o caminho e a filosofia errada para assumir a certa, imitando Jesus e seguindo o seu caminho.

A realeza dele está ligada a isso e conforma o que Jesus entende por verdade, como mostra o evangelho.

Evangelho Jo 18, 33b-37

O contexto é o da paixão. Jesus já foi entregue e está na presença de Pilatos, chamado para selar a condenação definitiva. O que interessava aos romanos não eram questões de religião, de fé ou de cultura de um povo. Para ele duas coisas eram importantes: pagar os impostos e submissão. Assim, que toda manifestação ou intento de rebelião, mais ainda, se alguém se atribuía o título de rei, era imediatamente reprimido com a crucificação.

Daí a pergunta de Pilatos “Tu és o rei dos judeus?”. Jesus “tira a língua” de Pilatos para que se manifeste realmente como se chegou a isso “O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim”, evidentemente com a motivação de que se auto proclamava messias, rei dos judeus. Pilatos quer saber se as atitudes de Jesus são as que se atribuem ao rei : “Que fizeste?”
.
Jesus respondeu: “O meu reino não é deste mundo (...) meu reino não é daqui”, pois é realidade bem diferente daquela que Pilatos está pensando e busca conferir a consistência perante a acusação que fizeram contra Jesus.

E Jesus argumenta “Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus”, como se quisesse tirar de Pilatos toda dúvida com respeito a uma força militar que pudesse confrontar com o poder romano. Nada disso.

Jesus nem afirma nem nega, só coloca sua realeza em “outro mundo”, não dentro das categorias e expectativas atuais. Isso é percebido com clareza por parte de Pilatos, e, portanto, volta perguntar “Então tu és rei?”. Coloca Jesus na condição de se manifestar  com clareza, sem sombras de dúvidas.

Então, Jesus respondeu “Tu o dizes: eu sou rei”. A pergunta de Pilatos não é inocente, como a de quem não sabe. Ele percebeu que Jesus é rei, mas não consegue definir com clareza e em que sentido,  onde fica o reino dele e que consequência pode ter para o império romano esta realeza.

Portanto, Pilatos ao mesmo tempo que afirma, pergunta. E Jesus coerentemente responde “Tu o dizes”, ao mesmo tempo que confirma “ eu sou rei”. De imediato argumenta em que sentido “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”.

Resposta muito hábil, ao mesmo tempo afirma ser rei e contorna o entendimento de Pilatos que o teria levado a condenação certa. Não faz isso por habilidade política, como quem está jogando com palavras, afim de não ficar preso em entendimentos que o prejudicariam, mas para afirmar a consistência e autenticidade do próprio ser e da missão que está desenvolvendo.

Assim, Jesus liga sua realidade de rei não ao poder de domínio sobre um específico território e a força militar, mas a verdade “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade”. É um vínculo radical que conforma a profundidade do ser dele, com outras palavras, é constitutivo da sua pessoa.

Portanto, a sua missão não pode ser outra daquela de “dar testemunho da verdade”. Com isso está afirmando indiretamente que ele mesmo é a verdade. Portanto, se atreve a desafiar Pilatos colocando “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”.

Pilatos contornará o convite de Jesus com a famosa resposta “O que è a verdade?”. Não era o contexto e muito menos o momento de conversas filosóficas. Por outro lado, parece que a resposta seja de atribuir a arrogância de Pilatos forte do seu poder para com Jesus na condição na qual se encontrava...

Contudo, evidentemente, a afirmação ultrapassa o momento específico e circunstancial para ser uma interpelação a todo ser humano apaixonado e que busca a verdade e, nela, respostas, como acontece em toda pessoa humana.

Assim ser “da verdade” é atender a um estilo de vida individual, a uma filosofia da existência coletiva e social, a critérios de discernimento entre o certo e o errado, a dedicação pela causa da justiça e do direito etc., que encontram em Jesus o modelo e no Espírito Santo a inspiração e a força motriz.

Portanto, a verdade se faz no dia a dia, nas diversas circunstâncias, com criatividade, coragem e ousadia. Talvez por isso, Jesus afirmou as famosas palavras “Eu sou o caminho” e cabe bem uma vírgula porque sou “verdade e vida”. Seguir a verdade, a Cristo, não é repetição, é criatividade no amor.

Queridos amigos, com este domingo termina o ano litúrgico “b”. Com ele também, o comentário às leituras, sendo que os anos “c” e “a” foram publicados  no blog, nos anos 2010 e 2011.
Com a saída da paróquia de Santa Terezinha, fiz o propósito de acompanhar este caminho que tinha iniciado com a publicação dos CD’s, lembram ? Pois bem, este caminho chegou ao seu ponto final.
Agradeço a todos os que colaboraram com as suas reflexões e em especial Paula e Rodrigo, da comunidade de Nossa Senhora do Carmo, pela paciente e competente revisão dos textos antes da publicação.
Talvez, descubramos, se Deus quiser, uma nova forma de continuarmos nossa comunicação.
Um abraço a todos, com a benção de Deus.       Pe. J. Luis


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

33ro DOMINGO DI T.C. -B- (18-11-12)


1ª leitura Dn 12,1-3

“Naquele tempo (...) será um tempo de angústia, como nunca houve até então, desde que começaram existir as nações”. O profeta aponta ao momento em que a história da humanidade e a criação toda chegarão ao seu momento final.

Então, se implantara o último e definitivo da obra das mãos de Deus, é o que se indica com a palavra “escatologia”, ou seja, discurso sobre o que acontecerá “naquele tempo”. Evidentemente, estando no final do ano litúrgico o tema é apropriado e conveniente.

Neste tempo de grande angústia, pelo que estará acontecendo, comparecerá “o grande príncipe, defensor dos filhos de teu povo”. Ele colocará a salvo “ todos os que se acharem inscritos no Livro”. Estes são os que cumpriram a Lei com fidelidade. Nenhuma pessoa fugirá do juízo da Lei.

Com efeito, o Antigo Testamento apresenta como evento futuro “naquele tempo” a ressurreição.
Contudo, o conteúdo dela é bem diferente do que costumeiramente pensamos, a partir do mesmo evento realizado em Cristo Jesus. Acontece que se usa a mesma palavra com significados que nada tem a ver entre eles.

No Antigo testamento o argumento da ressurreição tem a finalidade de dissuadir aqueles que querem contornar o cumprimento da Lei, pelo motivo de que com a morte, a Lei não terá nenhuma relevância nem poder sobre a pessoa. “Naquele tempo” - no final da história - acontecerà a ressurreição: “Naquele tempo (...) Muitos dos que dormem no pó da terra, despertarão, uns para a vida eterna, outros para o opróbrio eterno”.

Assim, mesmo que falecidos haverá a ressurreição deles, para que sejam julgado pele Lei. De jeito nenhum poderão fugir das consequências de cumprir ou não os preceitos e os mandamentos da Lei. A lei os alcançará, mesmo que falecidos.

Entre parênteses, a ressurreição de Cristo - com seus efeitos sobre a estrutura moral, psicológica e espiritual da pessoa - já faz partícipe, pela fé, a todo ser humano que assume o estilo e a filosofia de vida de Cristo. Ela se manifesta já ativa na vida pela prática do amor, como Cristo amou. Ao mesmo tempo é penhor e sustenta a esperança que, “naquele tempo”, haverá conhecimento pleno do misterio divino contido nela.

Os sábios amam e praticam a Lei. Fazem dela o eixo norteador da própria vida, não por obrigação nem por medo, mas por convicção, por ter encontrado nela o sentido profundo e o gosto da existência. Portanto, “brilharão como o firmamento (...) como as estrelas, por toda a eternidade”.
 O brilho - satisfação, serenidade, alegria, sabedoria, correto discernimento, etc, - já esta presente e faz parte deles. Daí o desejo e a motivação de ensinar “a muitos homens os caminhos da virtude” para eles fazerem da Lei o hábito do próprio pensar e da conduta.
Portanto, “os que tiverem ensinado a muitos homens”, seja verbalmente explicando e argumentando, seja  assumindo o significado, cumprindo a finalidade dela e perseguindo a meta que pretende oferecer ao povo todo - o acontecer do reino de Deus  - brilharão por toda a eternidade, participarão da glória sem fim.

Cumprir a Lei é já participar do mistério de amor de Deus. Ela foi dada no Monte Sinai pelo amor de Deus, que tirou o povo da condição de escravo no Egito. Foi estabelecida como caminho para se manter na libertação, longe da escravidão e do pecado. Ela tornou a todos livres, livres para amar. Assim o espirito da Lei - não a letra - mostra o acontecer do amor e con ele os cumpridores“brilharão como o firmamento (...) como as estrelas, por toda a eternidade”.

Este brilho será ulteriormente potenciado e levado à sua plenitude, “naquele tempo”, quando tomarão pleno conhecimento do significado e dos efeitos da morte e ressurreição de Jesus, participando plenamente do mistério de Deus.

A segunda leitura faz referência a isso.

2da leitura Hb 10,11-14.18

Este trecho compara o culto do sumo sacerdote do Antigo Testamento com o culto realizado por Cristo com sua morte e ressurreição. O primeiro era celebrado diariamente “oferecendo muitas vezes os mesmos sacrificios, incapazes de apagar os pecados”.

Pelo contrário “Cristo, depois de ter oferecido um sacrifício único pelos pecados (...)”. Eis o significado universal e permanente da morte dele: o perdão dos pecados para todos os homens de todos os tempos. Pelo sacrifício dele, o resgate da condição de filhos de Deus, a redenção do pecado e a santificação por participar da vida de Deus estão ao alcance de todos.

Isso porque na pessoa de Jesus estavam representados - como se estivessem nele - todo homem que aceita e acredita que o acontecido em Jesus é como se acontecesse nele próprio. Com outras palavras, é pela fé que é gerada esta singular e única experiência em cada pessoa.

Jesus agiu única e exclusivamente por amor, pois, “para nossa salvação desceu do céu”, rezamos no credo. Apesar da oposição e da extrema rejeição, pela desconfiança nele, Jesus continuou determinado e firme até a morte de cruz. Nela, carregou todo o peso da desconfiança deles – o pecado – e resistindo a ela,  na sua pessoa desmanchou o pecado e o seu poder. Sendo nosso representante perante o Pai, a vitória dele é a dos que acreditam verdadeiramente nele. Portanto, o pecado pode ser vencido, porque ele o venceu, e oferece constantemente a vitória.

Com a vitória sobre o pecado e a morte “Não lhe resta mais senão esperar até que seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés”, pois neste momento Deus dará o toque definitivo, instaurando o reino em forma última e definitiva, assim, Deus Pai será “tudo em todos”(1Cor 15,28).
Com a sua morte e ressurreição “levou a perfeição definitiva os que ele santifica”, ou seja, todos aqueles que aceitando o presente dos efeitos da morte e ressurreição se sentirão interiormente renovados e regenerados, como se tivessem nacido de novo, como novas criaturas. Portanto, sentem que o passado passou, de uma vez para sempre foi sepultado o homem velho e substituido pelo novo.

A santificação em primeiro termo não é de ordem moral, em sentido de perfeição no comportamento, mas a tomada de consciência da nova realidade e com ela a força interior e a motivação para agir corretamente em sintonia com os valores e as exigências dela (santificação). A “perfeição definitiva” é a plena consciência do dom e dos seus efeitos, que em forma definitiva e completa selam a nova condição.

Daí decorre “Ora, onde existe o perdão, já não se faz oferenda pelo pecado”. Não só é substituído com isso os sacrifícios do antigo testamento mas, sendo que Jesus Cristo, com sua morte se tornou oferenda para “pagar” os nossos pecados, cujos efeitos são atualizados pela fé na palavra e também por meio dos sacramentos, a única oferenda que é lícita oferecer a Deus é aceitação, com humildade e gratidão, deste dom.

Tudo isso faz parte do mistério da fé, ele será desvelado com a volta de Jesus Cristo, no tempo e modo indicados pelo Evangelho.

Evangelho Mc 13,24-32

Jesus fala aos seus discípulos a respeito dos acontecimentos com a vinda do Filho do Homem do céu “Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai escurecer, (...) e as forças do céu serão abaladas”. Não é especificado em que consiste a “grande tribulação” nem se é um evento já presente, se acompanhará a história toda, ou se específico do que acontecerá antes dos eventos finais quando “o sol vai escurecer e a lua não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas”.

É afirmado que toda realidade, as pessoas e a criação, sofrerá uma mudança muito gande e desconcertante antes que aconteça o evento central e definitivo “Então verão o Filho do Homem vindo do céu com grande poder e glória”. Acredito que se possa associar as dores do parto da nova criação. São Paulo diz ser próprio da antiga (criação), sendo que foi atingida e fecundada pelo evento da morte e ressurreição de Jesus Cristo e sobre ela foi derramado o Espírito Santo, em Pentecostes. Portanto, a manifestação se refere ao ponto final, a chegada  deste processo.

Apesar do desconcerto e do abalo, o evento será um acontecimento muito positivo,  pois, o Filho do Homem “enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade a outra da terra”.Os eleitos são, objetivamente, todos os homens, pois, o evento da Páscoa e a descida do Espírito  atingiram as pessoas de todos os tempos e lugares. Os eleitos são os que aceitaram ser atingidos e modelaram a própria existência em virtude disso.

O encontro com o Filho do Homem glorificado será motivo de profunda alegria, será participar da plenitude da vida, como de uma festa sem fim, na qual todos serão pai, mãe, irmão e irmã de cada pessoa e vice versa. Nisso haverá consciência e experiência do que entendia São Paulo quando afirmava que neste evento Deus será “tudo em todos” (1cor 15,28).
Contudo, não sabemos quando isso acontecerá, nem Jesus está em condição de dizer “Quanto aquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai”. A  surpresa de que nem o Filho saiba - como Deus  deveria sabê-lo -, a afirmação remite a absoluta e inalcançável transcendência  de Deus com respeito a tudo que é criado.

Que Jesus, mesmo sendo de filho de Deus, participe desta condição não deveria surpreender. O mesmo São Paulo afirma que com a sua encarnação colocou como entre parênteses sua condição divina “esvaziou a si mesmo assumindo a condição de servo se tornando como os homens” (Fl 2,6-7). Portanto, Jesus fala a partir da condição que é própria de cada pessoa, e como tal faz tres afirmações de grande importância que o coloca particularmente perto de cada pessoa:

- A certeza absoluta que acontecerá “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”, pois, ele confia plenamente no Pai com o qual mantém constante relacionamento, não tanto pela condição divina - que colocou como entre parênteses - quanto pela constante busca do relacionamento, do diálogo na oração, desafiado pelo que estava acontecendo no presente.

- “Em verdade vos digo, esta geração não passará até que tudo isso aconteça”. Sendo que já se passaram vinte séculos, cabe supor que não se referia ao que comumente entendemos por geração, mas abrange o tempo cronológico necessário para que o Evangelho seja levado ao alcançe de todos. Cabe especificar que Evangelho é a anúncio de um estilo de vida que se torna boa realidade, não adesão a religião...

- Haverá sinais que manifestam o se aproximar do evento “quando virdes acontecer essas coisas, ficai sabendo que o Filho do Homem está próximo, às portas”, não para terrorizar, mas para esperar o cumprimento da promessa.

O fim dos tempos é o começo da plenitude da vida em Deus.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

32do DOMINGO DO T.C.-B- (11-11-12)



1ª leitura 1Rs 17,10-16

A introdução a este trecho está nos versículos anteriores: “A palavra de Deus foi dirigida a Elias (...). Eu-Deus- dei ordem a uma viúva que te sustente”. A ação, portanto, se desenvolve de acordo com a palavra de Deus. Não é desejo nem determinação da vontade ou de algum sentimento humano do profeta.

Movido pela fé nessa palavra, Elias não teme em pedir o que humanamente ninguém se atreveria, se tiver um pouco de bom senso, “Por favor traze-me um pouco de água (...) também um pedaço de pão em tua mão”. Pois, era tudo o que tinha a pobre viúva.

Ela manifesta ao profeta a condição de extrema pobreza “Só tenho um punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra (...) e depois morrer”. Contudo, Elias replicou-lhe “Não te preocupes!”. Quer passar serenidade e controle emocional perante um pedido tão desestabilizante, percebendo o estado de ânimo da viúva.

O profeta manda ela fazer o que tinha programado “mas, primeiro, prepara-me com isso um pãozinho, e traze-o” , para que manifeste a confiança na palavra dele, homem de Deus. E, ao mesmo tempo,  assegura ela sobre a intenção de Deus: “Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até ao dia que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra”.

A mulher “foi e fez como Elias lhe tinha dito”, deu voto de confiança. Ela deve ter percebido no coração autenticidade nas palavras e na proposta do profeta. Não foi simples ouvir, pois a palavra dele transformou o mundo interior e o coração dela.

Isso deve-se à força do Espírito  que sustenta e motiva a docilidade e compreensão do que está acontecendo,  que ultrapassa a experiência e o simples entendimento humano. Tem a ver também com a humildade, acompanhada pela consciência de que para Deus nada é impossível.

De fato, a viúva pôde constatar a eficácia e a verdade do profeta “A farinha da vasilha não acabou nem diminuiu o óleo da jarra, conforme o que o Senhor tinha dito por intermédio de Elias”. O mistério de Deus  age simultaneamente no destinatário e no intermediário e gera sintonia pela qual viúva e profeta convergem na serena e pacífica aceitação recíproca: por um lado a ordem de fazer e pelo outro a confiança em executar.

Os dois percebem a sintonia que ultrapassa a vontade individual, pois, ela faz parte do mistério da autocomunicação de Deus por meio do Espírito.  Do ponto de vista humano foge de todo controle e determinação prévia por parte dos destinatários, uma vez que se deixam envolver pela presença misteriosa de Deus.

Por outro lado, o estimulo para navegar na sintonia é ativado pelo caminho de humildade e da súplica confiante. Assim, toda pessoa está constitucionalmente feita para entender, assumir e participar desta dinâmica. É como o DNA da toda existência, para uma vida e um futuro bem sucedido.

Os dois experimentaram o acontecer “conforme o que o Senhor tinha dito por intermédio de Elias”. Ter acreditado na palavra e na promessa do Senhor, desafiando com coragem  e determinação a lógica e os critérios humanos que puxavam em sentido contrário, foi premiado. O impossível se tornou realidade.

Com certeza o estupor, a maravilha, terá enchido o coração deles com profundo sentimento de gratidão. Este mesmo sentimento deveria ser suscitado em cada cristão, considerando o que Cristo fez uma vez para sempre a favor de todos, como explicita a segunda leitura.

2da leitura Hb 9, 24-28

“Cristo entrou (...) no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor”. Assim, com sua morte na cruz entrou na glória do céu. O amor à causa da salvação para as pessoas e a humanidade deu-lhe determinaçao e força para se manter firme contra toda adversidade e rejeição, até o extremo da cruz.

Esse amor se tomou posse da ressurreição. Assim, entrou na glória do céu, o verdadeiro santuário de Deus - cuja prefiguração era o santuário do templo de Jerusalém, “feito por mão humana” – e está sentado a direita do Pai.

Particularmente importante é a finalidade “a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor”. Ele está na presença de Deus, não por sua condição divina, quase fosse um direito, mas por obedecer ao Pai e ter permanecido fiel a vontade dele.

O ponto marcante é “comparecer, agora, (...) em nosso favor”. Jesus, com a sua entrada no mundo pela encarnaçao, tornou como ‘um’ com cada pessoa e a humanidade toda. Agora, ele apresenta cada pessoa e a humanidade redimida, resgatada do pecado e da morte e partícipe da vida eterna.

Nele se cumpiu o que deveria ter acontecido em todos, pela mesma obediência à lei de Deus e pela confiança na promessa do Pai em implantar o reino de Deus. Sendo que o povo foi bem longe disso, Ele fez que o acontecido na sua pessoa fosse como si estivesse acontecendo em todos. Portanto, antecipou em todos a participação na vida eterna, na glória do Pai.

O “favor” consiste que, pela missão por ele desenvolvida, o Pai olhasse cada pessoa e a humanidade toda como realidade redimidida, resgatada, santificada e justificada, como se fosse ele mesmo. De fato, pela ação de Cristo, somos filhos no Filho. Filhos de adoção, certo, mas, enfim, sempre filhos.

Tudo isso aconteceu “agora, na plenitude dos tempos”. Refere-se ao evento pascal. Com isso,  introduziu  no tempo cronológico  - no evento acontecido faz dois mil - a condição para que cada segundo se torne experiência de salvação. Assim, o tempo ganha a plenitude de vida e de sentido, ganha qualidade. É como se a eternidade entrasse no tempo cronológico sem suprimi-lo
.
Condição para que aconteça é a fé neste “favor”. Ele é oferecido gratuitamente por Jesus Cristo e atualizado pela Palavra. Palavra que já por si mesma é fecunda e gera a salvação, mas também é parte integrante e indispensável na celebração dos Sacramentos. Com efeito, estes últimos veiculam, passam com sinais concretos a eficácia da Palavra.

O Evento da Páscoa aconteceu “uma vez por todas”. Nele Jesus Cristo “se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo”. As celebrações dos Sacramentos são atualizações dos efeitos da Páscoa. Por exemplo, em cada celebração da Missa, Jesus Cristo não morre e ressuscita de novo, mas, se fazem misteriosamente presentes os efeitos daquela morte e resurreiçao, como se estivesse acontecendo naquele momento. Isso é percebido pela fé na Palavra.

Acreditar no efeito do “favor” antecipa a participação no reino de Deus e suscita a esperança de mergulhar, com plena consciência e experiência nele quando “Cristo (...) aparecerá uma segunda vez, fora do pecado, para salvar aqueles que o esperam”. Então, Cristo entregará o Reino ao Pai para que Deus seja “tudo em todos”( 1Cor 15,28).

Aparecerá “fora do pecado” porque nele, o pecado já foi vencido e a morte destruída. Com ele, experimentarão a salvação definitiva todos aqueles que ficaram fora do pecado pela fé, no “favor” constantemente outorgado pela misericórdia de Deus como resposta à fraqueza humana. Dom, “favor” que sustentou e motivou a espera da segunda vinda de Cristo e o cumprimento final da promessa de Deus.

O efeito do “favor” no dia-a dia se manifesta nas atitudes indicadas pelo evangelho.

Evangelho Mc 12,38-44

Jesus alerta o que é preciso evitar. ‘Bate de frente’ com os doutores da Lei “Tomai cuidado com os doutores da Lei!”. Eles eram os teólogos, pois, tinham reconhecidas competência e autoridade para interpretar e explicar o sentido e as exigências da Lei. Fariseus e Saduceus se valiam da competência deles para dirimir assuntos referentes à Lei.
Que Jesus fale deles como pessoas destinadas a “pior condenação” deve ter deixado a “grande multidão” que o escutava desconcertada e desnorteada. O quadro que Jesus faz deles é de pessoas que se sirvam, usam da Lei para levar vantagens. Gostam de “ser cumprimentados (...) primeiras cadeiras nas sinagogas - casa de oração, lugar de culto – (...) melhores lugares nos banquetes (...) devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações” .

A Lei, sinal da aliança com Deus estabelecida por Moisés no Sinai, tinha como finalidade a prática da justiça e do direito. Com ela, teriam mantido e cultivado a libertação da escravidão e do mal que o Senhor Deus realizou com a saída do Egito. A justiça e o direito são declinações do amor, realidade pela qual Deus se faz presente e percebido como Senhor da vida de cada pessoa e da história.

Nada disso aconteceu pelo engano dos doutores da Lei. Jesus evidencia a distorcida conduta deles, que se torna para o povo desvio do caminho certo. A durissima palavra de Jesus mira também a conversão deles, mesmo sabendo que não será aceita. Pelo contrário, suscitará a rejeição que o levará a cruz...

É o perigo de toda instituição religiosa, inclusive da mesma Igreja, de cada comunidade cristã, quando identifica, mais ou menos inconscientemente, o fim com os interesses da instituição e de seus membros dirigentes.

Jesus é o profeta que denuncia abertamente, com grande coragem e determinação, perante a “grande multidão”. Nao os chama a parte para dialogar, conversando o motivo e os argumentos do erro deles, como seria oportuno, conforme o nosso entendimento de hoje. Não sabemos o porquê. Pois, ninguém gosta de sofrer ataque direto, do jeito que Jesus fez.

Jesus indica a atitude da viúva como certa no relacionamento dela com Deus. Atitude humilde, escondida, em contraposição dos ricos que “depositavam grande quantias”, talvez para que os presentes vissem.

Assim, ricos e outros, todos “deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuia para viver”. A condição pessoal, social e de fé da viúva, é percebida com clareza e colocada como ponto de discernimento da verdadeira atitude religiosa de louvor a Deus.